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  • 14/12/2018

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou nesta semana (11/12) uma nova interpretação sobre os contratos de arrendamento rural. Por três votos a dois, os Ministros da Terceira Turma entenderam que a execução de contrato de arrendamento rural no qual houve fixação de preço em sacas merece ser considerada, uma vez que a cláusula foi firmada por ambos os contratantes, de acordo com a sua vontade e a prática da região.

A decisão proferida no REsp n. 1.692.763/MT mudou interpretação até então adotada pelo STJ, que antes não admitia a execução contratual quando o preço era estipulado em produtos, devido a uma proibição no Regulamento do Estatuto da Terra. Sem dúvida, essa mudança de entendimento refletirá nas decisões de primeira instância e tribunais de justiça de todo o país.

Para o Sistema Famato, a decisão representa um grande avanço para o setor produtivo rural e demonstra o reconhecimento do STJ sobre as mudanças da agropecuária brasileira que até então não foram atualizadas no Estatuto da Terra.

Por mais de 20 anos, o STJ entendeu que os preços do arredamento rural somente poderiam ser estabelecidos em valores e não em produtos, conforme estabelece o art. 18 do Decreto nº 59.566/1966 que regulamentou o Estatuto da Terra, tornando nulas as cláusulas de contratos que contrariavam esse dispositivo, o que, por consequência, inviabilizava a cobrança do crédito pela via executiva.

O voto que abriu a divergência na sessão que debateu o assunto esta semana foi da ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Aurélio Bellizze, ao julgar recurso interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ/MT) que havia admitido a execução do contrato.

Em seu voto, fundado na boa-fé objetiva e na proibição do comportamento contraditório do contratante, a magistrada disse que “entender pela inviabilidade da execução equivaleria a premiar o comportamento contraditório do recorrente, tendo invocado a nulidade da cláusula tão somente quando em curso o processo executivo que objetivava a satisfação das parcelas não pagas, em clara ofensa à legítima confiança depositada no negócio jurídico pela recorrida. A boa-fé do particular tem força, no meu modo de ver, de impedir a consequência decorrente da invalidade da pactuação do arrendamento em quantidade fixa de produtos”.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino completou: “Sou juiz desde 1986 e percorri várias cidades do interior do Rio Grande do Sul. Cidades em que havia minifúndio e cidades de latifúndio. Em todas elas, o costume era exatamente a fixação do preço do arrendamento em produto, mesmo sabendo das restrições do Regulamento do Estatuto da Terra. Era um costume arraigado em todo o meio rural e quando vim para o STJ, descobri que esse costume também era em todo o Brasil, especialmente na região Centro-Oeste, particularmente em Mato Grosso”.

Em seguida, o ministro Bellizze concluiu ser esse o costume do país, tendo a divergência surgido no Tribunal Superior. “A matéria não é examinada à luz das peculiaridades locais, do costume, da tradição, em que pese reconhecer a força do precedente antigo. A modalidade do agronegócio mudou, as relações mudaram e o desajuste hoje é entre os costumes e a tradição e a própria decisão judicial”, disse o magistrado.

A advogada e diretora de pesquisa e eventos do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos e Multidisciplinares do Agronegócio (IBEJMA), Luciana Monduzzi Figueiredo, acompanhou a sessão e defendeu esta tese no STJ. Segundo ela, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) já reconhecia a validade dos contratos de arrendamento rural que fixam os preços em produtos e a consequente viabilidade da execução, diante dos usos e costumes e prática de mercado do agronegócio.

A advogada defende uma revisão urgente nas normas do Estatuto da Terra por ser uma legislação antiga (de 1964) e que foi regulamentada dois anos depois em um contexto em que se pretendia proteger as partes vulneráveis envolvidas. "Não podemos considerar mais que todo arrendatário seja hipossuficiente, pois estamos falando de produtores rurais ativos economicamente", disse.

Neste ano, o tema foi colocado para discussão no seminário “A Multidisciplinaridade do Agronegócio e os Reflexos no Sistema Judicial”, promovido em maio, em Cuiabá, pela Famato, Senar-MT, IBEJMA e TJMT. O evento teve, inclusive, a presença dos ministros Luís Felipe Salomão e Paulo de Tarso Vieira Sanseverino.

Conforme a gestora do Núcleo Jurídico da Famato, Elizete Ramos, a decisão do STJ é de suma importância para o setor. “Para nós, a decisão do STJ esta semana representa um novo capítulo para o Agro brasileiro e demonstra que a Justiça está olhando o setor com novos olhos”, afirmou.

Estudo Imea – Este ano, em setembro, a Famato entregou um ofício aos ministros do STJ demonstrando a necessidade de nova interpretação aos dispositivos do Estatuto da Terra no que diz respeito ao arrendamento rural. Quando o estatuto foi criado, mais de 70% da população brasileira residia no campo e vivia da agricultura familiar, cuja produção era destinada apenas ao consumo e ao mercado interno. Atualmente, a produção agrícola é voltada para o mercado externo e o setor está globalizado.

Um estudo do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) demonstra por que o custo do arrendamento agrícola em Mato Grosso, por exemplo, ocorre por meio da fixação do preço em produto. Entre os motivos está a redução do risco de não cumprimento contratual por parte dos arrendatários, uma vez que o comprometimento da receita bruta com o pagamento do arrendamento da soja, por exemplo, é menor nos anos em que há recuo de preço e produtividade da safra se comparado ao comprometimento a partir da fixação de preço em dinheiro.

Fonte: Notícias Agrícolas